De acordo com Instituto Socioambiental (ISA), em geral, as terras indígenas continuam sendo a “principal barreira contra a destruição da floresta”, cuja preservação é fundamental, por exemplo, para reduzir os impactos das mudanças climáticas e conservar todas as formas de vida.
Dados como este demonstram a relevância destes povos frente à proteção do meio ambiente. Já dizia o cacique Mapu Huni Kuin, filho de Isaka e uma das principais lideranças indígenas do Acre em uma entrevista para a Revista Galileu: “A floresta é nosso corpo, nossa casa, nosso espírito. Se destroem a floresta, estão nos destruindo.” Para os “Povos da Floresta”, a floresta e tudo que está dentro dela é sagrado e deve ser bem cuidado.
Tivemos o prazer de conhecer de perto os Kaxinawá (Huni Kuin), um povo que convive em harmonia com a natureza, respeitando-a e protegendo-a. Buscamos conhecer um pouco mais de sua cultura, tradições e costumes e hoje viemos dividir um pouco do que aprendemos com vocês.
Para nos ajudar nas pesquisas, contamos com o apoio da D.ra Célia Maria Cristina Demartini, graduada e licenciada em História pela Universidade de São Paulo (1983), mestre em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (1997) e doutora em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (2003).
Os Kaxinawá (Huni Kuin)
Os Kaxinawá são uma etnia indígena que fazem parte da família linguística Pano. Estão localizados na floresta tropical que abrange do leste peruano, desde o sopé dos Andes até a fronteira com o Brasil, o estado do Acre e sul do Amazonas, abarca respectivamente a área do Alto Juruá e Purus e o Vale do Javari.
Os grupos Pano designados como nawa, entre eles os Kaxinawá, formam um subgrupo que se autodenomina huni kuin, homens verdadeiros, ou gente com costumes conhecidos (huni = pessoa, kuin = referência a identidade, semelhança ou similaridade). Uma das características que distinguem os huni kuin do resto dos homens é o sistema de transmissão de nomes. Dentro desse sistema de nomes, o próprio nome Kaxinawá parece ter sido originalmente um insulto – Kaxi significa morcego, canibal, mas pode significar também gente com hábito de andar à noite.
Hoje em dia os Kaxinawá chamam todos os grupos aparentados de “Yaminawa”; tanto aqueles que mantém contato com os brancos quanto os grupos Pano que vivem nas cabeceiras dos rios entre o Alto Juruá e o Purus e os que continuam afastados e escondidos, sem contato “pacífico” com a sociedade nacional.
Os Huni Kuin mantêm viva sua identidade cultural e através de suas entidades representativas conseguem equilibrar suas relações com a sociedade envolvente. Tanto os do Vale do Juruá, quanto os do Purus possuem associações, que viabilizam projetos que vão desde a produção agrícola, importante para a subsistência das comunidades, até atividades de educação escolar.
Eles possuem uma vasta cultura material que vai desde a tecelagem em algodão, com tingimento natural, até a cerâmica feita em argila com cinzas obtidas de animais, árvores e ainda cacos de outras cerâmicas, onde são impressos os kenes, uma espécie de marca que identifica a cultura material dos Huni Kuin, cujo significado está relacionado à coragem, força, poder e sabedoria.
Para os Huni Kuin, Povos da Floresta, todo o conhecimento é sagrado e vem das plantas, dos animais. Yuxibu é uma entidade sagrada difícil de explicar. Pelo relato do Pajé Agostinho Ika Maru, é o grande criador de todas as coisas.
“Ninguém é maior, nem menor, nem mais bonito que o outro. Somos os mesmo viventes do Yuxibu.
Então acho que esse daí é o pensamento do Yuxibu.
A gente fala, mas não vê Yuxibu é uma coisa invisível. Sabemos o nome, mas ningém encontrou.
O Yuxibu cria. Ele criou tudo, até hoje está criando”
Pajé Agostinho Ika Muru (CENTRO DE MEMÓRIA, DOCUMENTAÇÃO E REFERÊNCIA Itau-Cultural, 2017).
O mito da cobra grande
Para a grande maioria dos grupos indígenas a relação entre “sagrado e profano”, ou seja, os “rituais religiosos” e os afazeres cotidianos estão intimamente ligados. Todas as atividades exercidas na comunidade possuem uma relação direta com os “mitos de criação”. Nesse sentido, o mito da cobra grande é associado tanto ao conhecimento xamânico e também com as habilidades e técnicas de caça. O encontro com cobra pode ser o começo de uma carreira xamânica ou de sucesso como caçador.
Entre os Kaxinawa, a cobra grande é considerada o xamã primordial e fonte de sorte na caça. Assim, “se um homem encontra na floresta uma jiboia, ele chama outros homens para matá-la e pedir que seu yuxin (que em uma tradução livre significa “espirito”) os tornem caçadores de sorte”. As mulheres Kaxinawa também fazem o mesmo, para que o yuxin da cobra as ensine a controlar a fertilidade e a serem boas tecelãs (Lagrou 2007). Tal como ocorre com os homens que optam por se iniciarem ao xamanismo, a legitimação do pedido de sorte na caça, controle da fertilidade e ensinamentos gráficos se dá com o encontro do yuxin da sucuri nos sonhos (Lagrou 2007, p. 312-313).
Entre muitos grupos Pano, a ayahuasca e a cobra grande estão intimamente relacionadas o que se comprova no relato dos mitos. Existe uma associação entre as práticas xamânicas que envolvem o uso de ayahuasca, o mundo subaquático e os seres que o habitam, em especial, a cobra grande, guardiã da ayahuasca.
Arte
Uma das expressões culturais Huni Kuin são os Kene – grafismos tradicionais chamados de pinturas verdadeiras, aplicados em pinturas corporais, tecelagens, cestarias, teçumes e cerâmica. Os grafismos Huni Kuin representam uma parte intrínseca de sua identidade, um elemento fundamental na beleza de seus objetos e das pessoas com uma estética única e totalmente conectada com a cosmologia e com a história de seu povo.
Canopée: Compartilhando saberes e vivências com o respeito e a dignidade que nossos guardiões da floresta, parceiros e clientes merecem.
Apoio:
Célia Maria Cristina Demartini
Possui graduação e licenciatura plena em HISTÓRIA pela Universidade de São Paulo (1983), mestrado em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (1997) e doutorado em Arqueologia pela Universidade de São Paulo (2003). Atua na área de pesquisa em arqueologia, educação e museus desde 1985. É funcionária do Museu de Arqueologia e Etnologia da Universidade de São Paulo desde 1987. Foi professora de História da rede pública estadual, exerceu o cargo de chefe no Serviço Educativo e Diretora do Serviço Técnico de Curadoria MAE/USP. E-mail- crismartine@yahoo.com
Participa de pesquisas e projetos ligados a arqueologia em todo o Brasil especialmente São Paulo e Amazônia.
Já atuou em inúmeros projetos expositivos tanto nacional como internacional. Participou da elaboração e produção do documentário Antiga Amazônia Presente, que faz uma reflexão sobre os povos originários da Amazônia.
Referências bibliográficas usadas para a construção desse texto
CENTRO DE MEMÓRIA, DOCUMENTAÇÃO E REFERÊNCIA – ITAÚ CULTURAL. Uma Shubu Hiwea: livro escola viva do povo huni kuin do Rio Jordão. São Paulo: Itaú Cultural, 2017.
LAGROU, Els. 1991. Uma etnografia da cultura Kaxinawá: entre a cobra e o Inca.
Dissertação de Mestrado, PPGAS/Universidade Federal de Santa Catarina
LAGROU, Els. 1996. Xamanismo e representação entre os kaxinawá. In: LANGDON, E. J. M. (org.). Xamanismo no Brasil: novas perspectivas. Florianópolis: Ed. da UFSC, pp.197-231.
LAGROU, Els. 2002. O que nos diz a arte kaxinawa sobre a relação entre identidade e alteridade? Mana, vol.8, n.1, pp. 29-61. Disponível em:http://www.scielo.br/pdf/mana/v8n1/9640.pdf
LAGROU, Els. 2007. A Fluidez da Forma. Arte, alteridade e agência em uma sociedade amazônica (Kaxinawa, Acre). Rio de Janeiro: Topbooks. 580 p.
BEIRIGO LOPES, Ruth D. 2010. Lições da cobra — uma leitura da etnologia pano — Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal Fluminense, Niterói.
Fontes das imagens:
https://pensarcultura.com.br/nacao-indigena-kaxinawa-cria-game-sobre-sua-historia-para-preservar-cultura-local/
site.tucumbrasil.com/tecelagem-huni-kuin/
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